Após vivenciar períodos de forte pressão em meio à pandemia do novo coronavírus e atingir mínimas de US$ 302,75/bushel em Chicago, os futuros do milho já sinalizam uma recuperação. O movimento de alta envolveu uma soma de fatores atrelados tanto à conjuntura econômica nos EUA, quanto à expectativa de uma menor área para a safra da cultura em 2020/21.
O corte realizado pelo USDA em sua última estimativa de área plantada, projetada para alcançar 37,23 milhões de hectares, surpreendeu o mercado e aqueceu os futuros do cereal nesta primeira semana de julho. Desta forma, em seu relatório mensal de O&D, o Departamento reduziu a sua previsão para a produção do ciclo 2020/21 em 25 milhões de toneladas, ficando em 381 milhões. No entanto, vale ponderar que a área destinada ao grão continua sendo 2,6% superior à 2019 e a expectativa de oferta elevada se manteve mesmo em meio à menor atratividade do milho durante a janela de plantio norte-americana.
Cotações futuras do milho em Chicago (em US$/bushel)
Fonte: CME. Elaboração: StoneX.
Em relação à produtividade, apesar de questões meteorológicas terem conduzido movimentos de alta nos preços praticados ao longo das últimas semanas, com os modelos climáticos sinalizando temperaturas elevadas e falta de chuva no cinturão do milho, as previsões mais recentes já se mostram mais favoráveis. Se confirmada, a melhor condição climática durante a polinização, época crucial para a definição de rendimento, fomentará a estimativa de ganho de produção.
Já pelo lado da demanda, o Departamento prevê um consumo doméstico de 317 milhões de toneladas no ciclo 2020/21, queda de 1,4% frente ao estimado em junho. Assim, os estoques finais ainda estão projetados para alcançar um volume muito elevado de 67,3 milhões, 17,8% superior ao projetado para a temporada passada, apesar dos ajustes para baixo realizados na oferta da safra 2020/21.
Por mais que a reabertura gradual da economia norte-americana tenha sustentado os futuros do milho ao longo das últimas semanas, principalmente, em resposta à maior procura por combustíveis, o aumento do número de casos da Covid-19 nos EUA ainda é um ponto de atenção para a cadeia.
Estoques finais de milho nos EUA (em milhões de toneladas)
Fonte: USDA. Elaboração: StoneX
Em meio à maior disponibilidade interna do grão e incertezas que acercam o mercado, o acompanhamento dos cenários para a demanda ganhou relevância, principalmente, no que tange a produção de etanol, setor responsável pelo consumo de mais de 1/3 da safra de milho dos EUA.
O cenário para o etanol americano
Com a eclosão da pandemia do novo coronavírus nos Estados Unidos em meados de março/20, o setor de combustíveis americano foi fortemente afetado. Devido às restrições impostas à circulação de pessoas e veículos, a demanda por gasolina e, consequentemente, por etanol aditivo, despencou no país, tendência que foi acompanhada pela produção de álcool.
Na última semana de abril, por exemplo, 157,8 milhões de galões de etanol foram produzidos, diminuição anual e frente à média de 3 anos de 47,6% e 47,0%, respectivamente. Desde então, contudo, o consumo de combustíveis tem dado sinais de recuperação em meio à reabertura gradual da atividade econômica em diversas cidades americanas.
De acordo com dados do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE, em inglês), na semana que se encerrou no dia 3 de junho, 2.577,2 milhões de galões de gasolina foram vendidos, aumento de 49,6% frente ao final de abril, ainda que esse volume se posicione 8,7% abaixo da normalidade. Como não poderia deixar de ser, a procura por etanol acompanhou essa dinâmica, com um total de 249,9 milhões de galões comercializados no período (+45,8% e -8,9%, respectivamente).
Oferta & demanda de etanol nos EUA em 2019/20 (em milhões de galões)
Fonte: DOE. Elaboração: StoneX
Sob a ótica da oferta, a recuperação tem sido ainda mais expressiva. Na última semana, 268,7 milhões de galões de etanol foram produzidos, aumento de 70,2% frente ao fim de abril. Além do aumento no consumo de combustíveis, é importante notar que a destilação de biocombustível tem sido favorecida pelo spread entre o álcool e o milho, principal matéria-prima utilizada para a produção nos EUA.
Após operar em patamares negativos desde o fim de março, o diferencial voltou a se sustentar em meados de junho, alcançando US¢ 11,54/galão na última semana. Em termos práticos, esse cenário evidencia que a aquisição do cereal está atrativa para as destilarias.
De modo geral, em meio a esse contexto, os estoques de biocombustíveis, que chegaram a atingir máximas históricas neste ano, tem recuado significativamente – alcançando, por exemplo, 866,0 milhões de galões no fim da última semana, queda de 7,9% em relação à média de 3 anos.
Mas o que esperar para os próximos meses? Por um lado, a produção de etanol poderia encontrar pouco espaço para continuar crescendo, uma vez que a retomada da demanda de combustíveis no médio e longo prazo permanece incerta, dada a curva crescente de novos casos e mortes por COVID-19 nos Estados Unidos. Isso não significa que a taxa de destilação não possa permanecer elevada.
Tanto que projeções divulgadas pela Administração de Informações sobre Energia dos EUA (EIA, em inglês) neste mês mostraram que a produção de etanol no país deve alcançar uma média de 37,8 milhões de galões diários em 2020, crescimento de 5,9% frente à estimava de junho. Especificamente, a agência espera que 38,6 milhões de galões/dia sejam produzidos no 3º trimestre de 2020, passando para 40,3 milhões de galões/dia entre outubro e dezembro.
De modo geral, esse cenário parece ser resultado da expectativa de maior oferta de milho no mercado doméstico americano, tal como abordado na sessão anterior. Em meio aos estoques elevados da commodity agrícola e margem positiva entre o cereal e o etanol, é provável que parte significativa da matéria-prima seja adquirida por destilarias de álcool, estimulando a produção de biocombustível.
Impactos sobre o mercado de etanol brasileiro
Historicamente, o Brasil costuma ser um importante importador de álcool americano, sendo que os volumes internalizados são especialmente direcionados para as regiões Norte e Nordeste. Contudo, em meio ao desaquecimento das vendas internas de etanol nos últimos meses, o trade flow parece ter se invertido, e produtores brasileiros têm direcionado álcool para os EUA de forma mais expressiva.
No último mês, por exemplo, 129,5 mil m³ de etanol nacional foram importados pelos EUA, crescimento anual de 9,1%. Contudo, parece pouco provável que as internalizações continuem vantajosas para os compradores americanos nos próximos meses.
Spread etanol-milho e RBOB-etanol nos Estados Unidos (em US$/galão)
Fonte: CME & EIA. Elaboração: StoneX
Conforme comentado anteriormente, a maior oferta de milho no Centro-Oeste dos EUA deve estimular a produção de etanol, especialmente a partir do 2º semestre, de modo que a necessidade de importações tende a diminuir. A valorização sazonal do biocombustível Centro-Sul também precisa ser considerada, visto que essas altas tendem a tornar o produto brasileiro mais caro aos americanos.
Além disso, é importante ressaltar que a demanda pode não acompanhar a maior destilação estimada, uma vez que o avanço da COVID-19 no país permanece como um ponto de atenção para novas interrupções da atividade econômica.
Ainda assim, é preciso considerar que grande parte das aquisições americanas entram pela Califórnia, uma vez que o etanol brasileiro gera créditos para o Renewable Fuel Standard (política de biocombustíveis nacional) e para o Low Carbon Fuel Standard (política de biocombustíveis estadual). Em termos práticos, esses ativos são descontados da arbitragem – compensando, ainda que parcialmente, a elevação dos custos a partir dos fatores citados acima.
Sob a ótica das exportações americanas para o Brasil, é possível que esse direcionamento também não sejam tão volumosos – considerando a conjuntura atual. Em meio às incertezas que rondam o consumo de combustíveis no mercado doméstico brasileiro e a sobreoferta de etanol no cinturão canavieiro, crescimento significativo das internalizações de álcool americano parece pouco provável, ao menos até a entressafra de cana-de-açúcar no Centro-Sul, esta que costuma ocorrer entre novembro e março.
O papel do etanol de milho brasileiro nessa dinâmica
O etanol de milho no Brasil pode ter um papel importante na oferta doméstica, especialmente se considerarmos que esse produto tende a abastecer parte significativa da demanda no NNE brasileiro. De modo geral, espera-se que, durante a entressafra sucroalcooleira no Centro-Sul, a oferta de milho para a destilação de biocombustível se mostre abundante.
Apesar dos ajustes negativos na produtividade da segunda safra do cereal em função da estiagem em regiões produtoras, o volume a ser colhido ainda deverá ser expressivo, projetado pela StoneX para alcançar 72,5 milhões de toneladas, ficando atrás somente do recorde produtivo da safra anterior.
Para o Mato Grosso, principal estado produtor de etanol de milho, o clima tem sido favorável, com a produção da safrinha sendo revisada para cima, para 34 milhões de toneladas. Com isso, a safra total de milho 2019/20 está prevista para totalizar 100 milhões de toneladas, o que, a depender das exportações, poderá pesar sobre os preços no mercado interno e contribuir com a atratividade da produção de biocombustível durante entre os meses de novembro/20 e março/21.
Nesse sentido, vale lembrar que Mato Grosso e Goiás, principais produtores de etanol a partir do cereal, fornecem grande parte do combustível para o Norte e Nordeste – regiões que historicamente importam volumes significativos de álcool dos EUA. Com isso, uma maior destilação de álcool de milho pode limitar as internalizações do NNE – a depender da retomada do consumo de combustíveis do país no período.