O segundo dia da viagem comercial à Tailândia foi cheio de informações, com visitas à Thai Sugar Millers Corporation (TSMC) e ao Office of the Cane and Sugar Board (OCSB).
A primeira reunião se deu na TSMC, com o diretor-geral da entidade. A associação representa as 56 usinas de cana em operação na Tailândia, pertencentes a 24 empresas. Neste sentido, o primeiro tópico de discussão não poderia deixar de ser as expectativas para a produção de açúcar no país, tanto no curto, como no médio e no longo prazos.
João Paulo Botelho, Analista de Inteligência de Mercado da StoneX,
e diretor-geral da TSMC
Para a safra atual, o dirigente indicou que espera moagem de 120 milhões de toneladas de cana, com produção total de 13 milhões de toneladas de açúcar (tel quel). Para o próximo ano, entretanto, é projetada situação ainda pior, com moagem de 100 a 110 milhões de toneladas de cana.
Ainda que no curto prazo o principal motivo para a redução na área sejam os baixos preços do açúcar no mercado internacional e a competição com a mandioca, outros fatores com impacto mais de longo prazo podem continuar pressionando a capacidade produtiva do país nos próximos anos. Entre os desafios podemos citar os seguintes:
1) Falta de novas áreas para expansão. A área agricultável no país já está majoritariamente ocupada. Além disso, a legislação atual impede a construção de usinas a menos de 50 Km de distância umas das outras, e praticamente não há mais áreas possíveis de expansão que cumpram esta regra.
2) A região que ainda possui algum potencial de expansão é nas partes altas do Nordeste do país, mas falta de chuvas ao longo dos últimos anos vem direcionando agricultores para culturas menos intensivas em água, como mandioca e milho. Produção de frutas para exportação também vem competindo com a cana e pode ganhar ainda mais espaço com o desenvolvimento econômico da Tailândia e do restante do sudeste asiático.
3) Com menos de 20% da colheita mecanizada, falta de mão-de-obra devido à industrialização de países vizinhos, como Camboja, Mianmar e Laos, vem aumentando o custo da colheita. Estes países devem continuar crescendo a elevadas taxas, encarecendo a contratação de trabalhadores para a colheita.
4) Ao redor de 80 a 90% da área com cana se encontra em pequenas propriedades (de até 8 hectares), o que dificulta a mecanização. Usinas vêm tentando incentivar formação de cooperativas entre os fornecedores para tornar a colheita mais eficiente, mas os agricultores são receosos por medo de perderem suas propriedades.
Além disso, empréstimos subsidiados oferecidos pelo governo apara aquisição de colheitadeiras seriam suficientes para mecanizar menos de 10% da área no país.
5) Solução recente para o maior custo de colheita tem sido a queima de cana. Estima-se que 60% da cana no país tenha sido queimada em 2017/18, mas pressão popular devido à poluição urbana tem levado a ações do governo para acabar com a prática. Nesta safra multas de THB 30/t de cana (de 4 a 5% do valor da mesma) vem sendo aplicadas sobre produtores que descumprirem legislação que proíbe a queima.
6) Maioria das usinas é de propriedade familiar e geração de dirigentes que levaram ao desenvolvimento do setor no país está próxima da aposentadoria. Novas gerações têm mostrado maior interesse em diversificar os negócios da família para o setor industrial e de serviços, ao invés de investir no setor canavieiro.
7) Situação paralela ocorre com produtores de cana de pequeno corte, cujos filhos vêm buscando empregos nas cidades e, muitas vezes, preferem vender as propriedades dos país após sua aposentadoria ou falecimento. Estas áreas muitas vezes se destinam a outras culturas e segmentos, como o imobiliário.
Neste cenário, o dirigente indicou que espera que a produção açucareira do país se mantenha entre 10 e 13 milhões de toneladas nos próximos anos. Quanto à abertura de novas usinas, indicou que menos de 5 devem abrir nos próximos 10 anos, e que investimentos em expansão de unidades existentes ainda dependeriam de preços mais elevados do açúcar no mercado internacional.
Após a visita à TSMC, na parte da tarde foi visitada a OCSB. Esse é o principal órgão regulador do mercado canavieiro da Tailândia, respondendo para o Ministério da Agricultura do país. Nesta importante instituição fui recebido pelo diretor de indústria canavieira, pelo oficial técnico industrial sênior e pelo oficial técnico industrial.
João Paulo Botelho e funcionários da OCSB e da Mitr Phol
Embora a maioria dos assuntos discutidos tenham se repetido entre as duas reuniões, houveram algumas discrepâncias entre os pontos de vista apresentados. A principal delas se deu quanto ao custo de produção da cana, tema que é sempre polêmico, não importa o país. O dirigente da TSMC indicou que acredita que a maioria, ou pelo menos grande parte, dos produtores de cana devem conseguir cobrir seus custos com o preço atual do produto, de BHT 700/t. Já os oficiais da OCSB indicaram que suas estimativas apontam para custo médio de BHT 1.100/t, e que a diferença em relação ao preço já está afastando muitos produtores da cultura.
Outra questão na qual houve divergência, ainda que mais sútil, é nas expectativas para a próxima safra (2019/20). Os oficiais da OCSB foram ainda mais pessimistas e indicaram que a moagem de cana pode ficar abaixo de 100 milhões de toneladas, embora ainda vejam este nível como mais provável para o processamento de cana. O principal motivo para cenário tão pessimista é a forte redução notada no plantio de cana de 18 meses, realizado entre outubro e novembro, e que normalmente concentra ao redor de 70% da cana-planta do país, além de ser o que normalmente oferece a maior produtividade do primeiro corte.
Amanhã o dia também será cheio. Visitarei a usina de Suphan Buri do grupo Mitr Phol. Esta unidade é a maior do grupo, com capacidade diária de moagem de 45 mil toneladas de cana por dia, o que a torna a segunda maior do país. O grupo, por sua vez, é o maior produtor de açúcar da Ásia, com unidades também na China, Camboja, Laos e Austrália.
Matéria escrita por João Paulo Botelho, colaborador StoneX até outubro de 2019.