AÇÚCAR & ETANOL
Picture of Leonardo Rossetti

Leonardo Rossetti

Formado em Ciências Econômicas pela UNICAMP, trabalha desde 2019 na Inteligência de Mercado da StoneX do Brasil, atuando nas análises sobre os mercados de café, cacau, câmbio e macroeconomia.
Este texto teve a colaboração de Fernando Maximiliano.

Futuros de arábica atingem máximas de dez anos, mas não deveríamos considerar a inflação?

No segundo semestre de 2021, uma série de fundamentos altistas contribuíram para significativos avanços nas cotações dos preços futuros de arábica. Entre eles, podemos citar o clima seco durante boa parte do ano, o impacto das geadas nas lavouras de café arábica e os problemas logísticos que têm limitado e atrasado o fluxo de embarques e entregas do grão em importantes países consumidores. Em meados de dezembro, após a circulação de estimativas menos otimistas para a safra 2022/23, que serviram para confirmar o sentimento do mercado de que a próxima colheita ficará abaixo do esperado inicialmente, as cotações do café arábica em Nova Iorque atingiram o pico de um forte ciclo altista iniciado em novembro. Naquele momento, o contrato mais ativo registrou um fechamento de US₵ 249,85/lb, atingindo máximas intradiárias acima dos US₵ 250/lb.

Neste momento, o comentário que mais se observou entre os agentes foi de que as cotações bateram seus maiores níveis em 10 anos, quando marcaram os US₵ 250,80/lb em outubro de 2011. Desde então, comparativos acerca dos dois períodos foram realizados, no entanto, colocamos os questionamentos: Estes foram de fato os maiores preços em 10 anos? Este comparativo entre estes dois momentos realmente faz sentido?

Em termos nominais, as cotações de 2011 e 2021 de fato atingiram valores semelhantes. Todavia, em termos reais, a situação muda de figura. É importante considerar que durante todo este período, a economia de maneira geral cresce, e junto deste crescimento, os preços dos produtos e mercadorias também crescem através do efeito da inflação. Ou seja, é fácil concluir que US₵ 250,00 em 2011 certamente possuía um poder de compra bastante diferente da realidade que vivemos em 2021.

Desta maneira, uma forma mais adequada de realizar essa análise, seria deflacionando estes valores. O cálculo de deflação utiliza de um indicador de inflação ao longo do período estudado, trazendo os preços do passado para a realidade do poder de compra de uma moeda, tornando uma comparação entre valores distantes no tempo mais compatível em termos reais. Para isso, considerando que estamos lidando com as cotações em centavos de dólar na bolsa de Nova Iorque, utilizamos o principal indicador de inflação dos Estados Unidos, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI), para o processo de deflacionamento.

EVOLUÇÃO DAS COTAÇÕES DE CAFÉ ARÁBICA NA ICE EM NOVA IORQUE (US₵/LB) 

Através do gráfico, a primeira grande conclusão que podemos fazer é de que a forte alta de preços em 2011, quando em valores nominais, chegaram a US₵ 250, mas para a realidade daquele momento, possuía valor significativamente mais expressivo, equivalente ao que valeria aproximadamente US₵ 307,00 nos dias de hoje, cerca de 22,8% a mais dos US₵ 250 que trabalhamos inicialmente. Assim, podemos entender que a alta de 2011 foi muito mais expressiva para o mercado naquele momento do que a alta que o mercado de café viveu em 2021. Outra interessante observação é que em termos reais, parece fazer mais sentido realizar paralelo com as altas de 2014, quando as cotações avançaram até os US₵ 222/lb, mas com seus valores reais após o deflacionamento chegando a cerca de US₵ 260,00, patamar muito mais próximo do que o mercado viu no ano passado. Mas algum destes comparativos fazem sentido? Para compreendermos melhor e analisar as possibilidades do que pode acontecer no futuro em 2022, vamos aprofundar melhor sobre o que ocorreu nestes dois momentos de pico de preços.

O MERCADO EM 2011

Para analisarmos o último momento que as cotações atingiram os patamares nominais de US₵ 250,00/lb, é importante notar que aquele já era um momento de arrefecimento dos preços, e que o movimento ascendente das cotações na bolsa se iniciou já em meados de 2010. Naquele período, o principal driver para os preços consistiu nas expectativas de um possível déficit no balanço global de O&D na temporada 2009/10, associado a uma queda de 1,7 milhões de sacas na produção brasileira já esperada devido à bienalidade negativa, que foi relativamente pequena se comparado com a queda nos seus anos pares anteriores, mas principalmente à continuidade de uma redução na produção colombiana. Devido a um grave problema de ferrugem nos cafeeiros, a produção na Colômbia havia recuado cerca de 3,9 milhões de sacas na temporada anterior ou 31% do total de sua produção, recuando mais 7% na safra 2009/10.

Além disso, há de se considerar o contexto favorável da conjuntura macroeconômica de maneira geral, que certamente contribuiu para fortalecer os preços de café. Observando o índice de commodities CRB, nota-se que o complexo de commodities de maneira geral vinha naquele momento em um movimento ascendente de recuperação após a forte queda de 2008. 2011 também foi marcado como o maior ano de fluxo de entrada de fundos no mercado de commodities, evento iniciado em 2010 após medidas de estímulo monetário adotadas pelo Federal Reserve nos Estados Unidos. Desta maneira, avanço das commodities, com o índice CRB atingindo seu pico exatamente no mesmo momento em que as cotações de café atingiram máximas de US₵ 304,9/lb em maio de 2011 (US₵ 378 em termos deflacionados), sugerem que o contexto macroeconômico ajudou a alçar o café para níveis tão altos.

COTAÇÕES DE CAFÉ ARÁBICA VS ÍNDICE CRB

Entre as principais semelhanças com 2021, podemos considerar a expectativa do mercado de maneira geral de um déficit em 2021/22, no entanto, este não é tão forte quanto naquele momento, com o USDA indicando em sua revisão mais recente que aposta em um superávit de 2,6 milhões de sacas. O aspecto que mais parece se repetir é o movimento fortemente altista das commodities atuando como pano de fundo favorável para o sentimento altista do mercado.

 

O MERCADO DE CAFÉ EM 2014 E 2021

Os impactos adversos do clima foram preponderantes em ambas as ocasiões, quando houve forte redução na produção brasileira e consequentemente na oferta de café no mundo. O clima seco observado em 2014 e 2015 provocou uma redução de 5,7% em 2014/15 se comparado com 2012/13, anos de mesma bienalidade (USDA) – em 2015/16, o recuo foi ainda maior, de 13,6% se comparado com 2013/14. Segundo os dados do USDA, o balanço de O&D global foi de um excedente de quase 17 milhões de sacas em 2013/14, para um déficit de 0,35 milhões de sacas em 2015/16.

Em 2014 e 2015, a ocorrência de um El Niño forte entre setembro de 2014 e maio de 2016, com pico entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, foi o principal fator para a manutenção do clima seco em todo o cinturão cafeeiro no Brasil. A ocorrência de El Niño geralmente está associada a um clima seco e quente na região sudeste do país. Em 2020 e 2021, a ocorrência de um La Niña, que geralmente está associado ao atraso das chuvas no cinturão cafeeiro no segundo semestre, provocou perdas na florada em 2020, prejudicando a produção em 2021/22. Além disso, o clima seco e a geada em 2021 afetaram o potencial para 2022/23, cujo tamanho do impacto ainda é incerto.

Diferentemente do que foi observado em 2011, quando os preços também avançaram junto a uma cesta de commodities, em 2014 os preços de café avançaram quase que exclusivamente devido à redução na produção brasileira e na oferta global de café – como pode ser observado no índice CRB para as commodities, houve um forte avanço nas commodities em 2011, contudo em 2014 o índice seguiu tendencia baixista.

Em 2021, o cenário é um pouco diferente, já que os mercados globais ainda estavam se recuperando da pandemia da Covid-19, o que provocou uma tendência inflacionária nas commodities que pode ser notada na evolução de recuperação do índice CRB. Em adição aos problemas enfrentados, a pandemia da Covid-19 gerou uma crise na logística global, situação que ainda tem impactado os mercados e sem previsão de resolução no curto e médio prazo.

Quando falamos desses dois períodos, não podemos esquecer de destacar o impacto específico dos eventos no mercado de café robusta. Naquele período, a produção da variedade robusta foi a mais afetada, apresentando recuo de 38% entre 2014/15 e 2016/17, quando a produção brasileira foi de 17 para 10,5 milhões de sacas. Naquela ocasião, a restrição da oferta de robusta no mercado doméstico e impossibilidade da importação da variedade, provocou um avanço importante nos preços domésticos, que chegaram a ser cotados em torno de 700 dólares acima dos preços praticados em Londres, bolsa de referência para a variedade.

Em 2021, apesar de não ter havido perdas na produção de café robusta, a inversão dos diferenciais também foi observada em agosto e setembro, quando o mercado doméstico esteve aprox. 370 dólares acima do observado em Londres. No ano passado, esta inversão de deu principalmente devido à restrição na oferta de café arábica, o que suportou forte avanço nos preços da variedade e forçou a indústria a modificar o blend para reduzir seus custos, o que provocou um forte aumento da demanda doméstica pelo café robusta.

Além disso, é importante notar a falta de transparência no mercado de café, o que tende a trazer incertezas e gerar volatilidade. Um exemplo clássico está ligado as estimativas dos estoques de café no Brasil, que são pouco assertivas e incertas. Em 2014, houve o fenômeno conhecido como “estoques fantasmas”, quando as estimativas de estoques no Brasil diziam que não havia excedente de café para suprir a indústria, contudo, mesmo com a menor produção devido ao clima, o Brasil registrou recorde nas exportações durante quatro anos, entre 2014 e 2017.

Finalmente, mesmo com as cotações de café em patamares similares em 2014 e 2021 no mercado internacional, o mercado doméstico brasileiro apresentou preços muito superiores em 2021. Enquanto os valores de café arábica e café robusta foram vistos em R$ 511 e R$ 283/saca em 2014, respectivamente, os preços em 2021 atingiram os valores recordes de R$ 1487 e R$ 839/saca, respectivamente. A grande diferença neste contexto, muito mais significativa que efeitos de inflação, foi a desvalorização da moeda brasileira em 2021, em decorrência da pandemia da Covid-19 e do período político turbulento que o país vem enfrentando. Em 2014, o par real/dólar foi cotado em média em R$ 2,35, enquanto em 2021 a divisa americana foi negociada em média a R$ 5,39.

EVOLUÇÃO DOS PREÇOS DE CAFÉ ARÁBICA VS. DÓLAR COMERCIAL (US$/R$)

O QUE ESPERAR PARA 2022?

Em suma, a análise das semelhanças e diferenças detectadas entre 2021 e estes dois períodos históricos recentes de forte alta nas cotações, nos ajudam a interpretar melhor o momento que vivemos e detectar os fatores que podem continuar sendo altistas ou que podem se tornar baixistas. De qualquer maneira, o histórico das últimas 5 décadas das cotações de café na bolsa mostra que após avanços muito expressivos nos preços, vieses mais baixistas tendem a predominar nos anos seguintes. É importante destacar que isso não quer dizer que os preços de café irão recuar acentuadamente daqui adiante. A pergunta que deve ser feita é se os preços possuem espaço para avançar mais ou se já chegamos em um pico de preços, e caso tenhamos chegado, quando estes podem assumir trajetória baixista por um período mais longo.

O que podemos afirmar, é que até o momento, os fundamentos parecem ser capazes de sustentar os preços em um nível elevado. O impacto da seca e das geadas na produção brasileira e a persistência dos problemas logísticos continuam sendo os fundamentos predominantes até o momento, e devem perdurar ao menos no curto/médio-prazo. Entre os riscos baixistas, o possível impacto da variante ômicron da Covid-19 no consumo segue como ponto de alerta, todavia, seus possíveis efeitos em atrasar o reestabelecimento das cadeias logísticas globais podem estender por ainda mais tempo a dificuldade dos exportadores e importadores com a obtenção de contêineres e atraso dos navios.

Além disso, sinais de melhoria substancial no clima nos meses adiante, com indicativos de produção favorável em Brasil, Vietnã e Colômbia, poderiam justificar uma virada de tendência. Um grande driver para este primeiro semestre será a produção brasileira em 2022/23, cujas estimativas devem ser divulgadas nos próximos meses, e possivelmente apresentarão grandes divergências. Atualmente, o sentimento do mercado é de que a produção de café arábica seja substancialmente inferior ao potencial para o ano, que é de bienalidade positiva. Contudo, uma mudança nessa perspectiva poderia contribuir para alterar a tendência no mercado. É importante lembrar que as estimativas para a produção brasileira geralmente apresentam uma grande variação, com amplitude entre a maior e a menor que no último ano chegou a ser de cerca de 9 milhões, com Conab e IBGE costumeiramente apresentando valores relativamente baixos, e USDA com estimativas entre as mais elevadas.

Leonardo Rossetti

Formado em Ciências Econômicas pela UNICAMP, trabalha desde 2019 na Inteligência de Mercado da StoneX do Brasil, atuando nas análises sobre os mercados de café, cacau, câmbio e macroeconomia.
Este texto teve a colaboração de Fernando Maximiliano

Este artigo é um exemplo dos conteúdos disponíveis para assinantes no Portal de Relatórios.

Conheça a plataforma!

Conheça os planos

A cobertura mais completa do Brasil em Inteligência de Mercado para commodities + plataforma exclusiva!

Inteligência de Mercado da StoneX oferece assinaturas de relatórios periódicos para acompanhamento dos mercados de commodities agrícolas e energéticas no Brasil e no mundo. 

Cadastre-se gratuitamente!

Receba o nosso resumo semanal com os destaques dos mercados agrícolas e energéticos.

Ao enviar este formulário, você estará enviando à StoneX Group Inc. e suas subsidiárias suas informações pessoais para uso em marketing. Veja nossa Política de Privacidade para saber mais.