O mercado de etanol tem apresentado comportamento singular na safra 2018/19 (abr-mar) no Centro-Sul do Brasil, uma vez que os preços do biocombustível registraram variações relativamente bruscas ao longo do ciclo. Apesar do mix mais alcooleiro das usinas levar à forte produção, as cotações do álcool permaneceram acima dos patamares observados em anos anteriores. Essa tendência pode ser explicada, em grande parte, pelo petróleo e pela taxa de câmbio brasileira.
Entre meados de 2017 e setembro deste ano, os preços internacionais do petróleo tiveram significativa valorização. Nesse período, o rápido crescimento da demanda pelo barril, puxada especialmente pelos asiáticos, teve papel fundamental na alta. A diminuição da produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) também teve impacto importante, com destaque para a Venezuela, onde a falta de investimentos, em meio à crise econômica e política, reduziu a extração de óleo de 2,12 milhões de barris por dia (mbpd) em julho de 2017 para 1,43 mbpd no último setembro. Em 2018, a imposição de um embargo contra o Irã pelos Estados Unidos, após sua decisão de deixar o Acordo Nuclear com o país, ameaçou retirar mais 1,4 mbdp de petróleo do mercado.
Concomitantemente, a taxa de câmbio do real com o dólar saiu de um patamar de relativa estabilidade, ao redor de BRL 3,10-3,30/USD em 2017, e disparou, chegando a atingir BRL 4,208 no fechamento de 13 de setembro. Uma mistura de fatores internos e externos provocou esse movimento. No Brasil, a incerteza eleitoral foi o principal fator altista. No exterior, o aperto monetário – após uma década de alívio – causado pela redução dos ativos dos bancos centrais americano, europeu e japonês promoveu um fluxo de capitais de países emergentes em direção aos desenvolvidos.
Visto que a nova política de preços da Petrobras prevê que a venda de gasolina às distribuidoras no mercado doméstico seja feita com base nos preços internacionais, as cotações da gasolina no Brasil apresentaram forte elevação no período. O valor médio da gasolina A praticado pela empresa avançou de BRL 1,546/L na média de fevereiro para BRL 2,225/L em setembro. Essa alta foi repassa às bombas: o litro do combustível fóssil nos postos de São Paulo, por exemplo, valorizou-se em cerca de 39,5% no período.
Neste sentido, a paridade entre o etanol e a gasolina no Centro-Sul chegou a atingir pouco mais de 59,0% no fim de agosto, representando uma queda anual de 10,5 pontos percentuais. Considerando o poder calorífico de ambos combustíveis, a paridade de equilíbrio seria aproximadamente 74%, mas a razão de 70% é geralmente adota como o ponto de balanço entre os dois produtos no mercado, visto a preferência do consumidor pela gasolina. O diferencial de preço entre os dois produtos foi tão amplo que, mesmo com a alta sazonal do biocombustível a partir do fim do 3º trimestre, a paridade média no cinturão canavieiro não ultrapassou os 65%. Cabe destacar que a tendência se repetiu em outras regiões, como no Norte e Nordeste do país, embora a maior parte desses estados continuem com paridades pouco atrativas ao consumo do etanol.
Desta forma, a demanda etanol permaneceu significativamente mais aquecida ante a anos anteriores. No mês de setembro, o consumo de hidratado renovou a máxima histórica no Brasil e atingiu 60 mil m³/dia – volume que representa um crescimento de 37,3% em relação ao mesmo mês do ano anterior. O consumo de gasolina, por sua vez, encolheu 17,4% nesses 12 meses, apresentando uma média de 96,4 mil m³/dia, mínima desde julho de 2011.
Movimentação recente: colapso do petróleo, valorização do real e estoques forçam usinas a reduzir o preço do etanol
Usualmente, o fim do terceiro trimestre é caracterizado como o período em que a colheita de cana-de-açúcar no Centro-Sul do Brasil começa a se aproximar do fim. Em meio a um menor output de etanol, os preços do biocombustível começam a se valorizar – uma vez que usinas tendem a depender cada vez mais de seus estoques. Contudo, a situação no ciclo 2018/19 têm se mostrado atípica ante à sazonalidade.
De fato, as cotações do hidratado registraram valorização até o fim de outubro. Desde então, as cotações PVU (Posto-Veículo-Usina) reverteram essa movimentação e acumularam queda de 10,7% em Ribeirão Preto. Ressalta-se que, no mesmo período do ano passado, o preço do hidratado na região supracitada havia se elevado em 10,1%.
Em consequência, as cotações nos postos de alguns estados começaram a recuar – ainda que a desvalorização nas usinas não tenha sido completamente repassada aos consumidores finais. De acordo com a ANP, o preço médio do hidratado em São Paulo atingiu R$ 2,76/L no fim da primeira quinzena de novembro, diminuição de 1,8% ante ao fim de outubro. Novamente, as oscilações do biocombustível foram reflexo da forte retração do petróleo no mercado internacional, bem como dos recentes ajustes das cotações da gasolina A no Brasil.
No último mês e meio, o preço do petróleo entrou em colapso, recuando mais de 25% em comparação com as máximas do final de setembro. Esse movimento foi causado por uma reversão nas expectativas de déficit para superávit no saldo de oferta e demanda no curto prazo. As sanções contra o Irã retirarão muito menos barris do mercado do que se previa, visto que os Estados Unidos distribuíram isenções aos principais importadores do país persa. Os americanos aumentaram significativamente sua própria produção, explorando os campos de xisto, e já são os maiores produtores mundiais, extraindo cerca de 11,7 mbpd. No lado do consumo, o intenso ritmo de crescimento da demanda asiática deve se arrefecer em 2019. A desaceleração econômica prevista em meio ao aperto monetário nos países desenvolvidos e a corrente guerra comercial entre os Estados Unidos e a China tende a diminuir a procura por derivados de petróleo, movimento que é acentuado pela desvalorização das moedas dos países emergentes.
Especificamente para a gasolina, o cenário ficou ainda mais baixista. Seu prêmio em relação ao petróleo recuou substancialmente nos últimos meses, devido aos seus estoques elevados. O consumo mundial de óleo diesel cresce rapidamente – movimento que deve continuar até 2020, uma vez que embarcações em águas internacionais terão que substituir seu combustível do óleo residual pelo diesel até lá, por determinação da Organização Marítima Internacional –, o mercado precifica isso e as elevadas margens de produção de diesel mantêm as refinarias de petróleo ativas e ofertando, consequentemente, mais gasolina. Para completar, a produção de petróleo leve, cujo rendimento de gasolina em relação ao diesel é maior, cresce num ritmo muito mais rápido que o de pesado ao redor do mundo, graças ao xisto americano e a redução da oferta de produtores de petróleo pesado, como a Venezuela.
Enquanto o petróleo despencava, a eliminação da incerteza eleitoral no Brasil ajudou o real a se valorizar frente ao dólar, também agindo de maneira baixista aos preços da gasolina no país. O último preço médio da gasolina A anunciado pela Petrobras é de USD 1,5556/L, já 30,9% abaixo da máxima de setembro.
A queda abrupta dos produtos fósseis, em meio aos estoques de etanol mais elevados dos últimos anos, ameaçou a competitividade do etanol nas bombas, forçando a maioria das unidades produtoras a diminuir a pedida pelo biocombustível. Em resposta, a paridade, que usualmente se eleva neste período do ano, recuou para 63,5% na semana do dia 16 – a primeira diminuição desde o fim de agosto.
Perspectivas para 2019
O consumo total de combustíveis em motores de ciclo Otto (gasolina C e etanol hidratado) no Brasil está correlacionado a dois fatores: crescimento econômico (que determinará o tamanho da frota de veículos no longo prazo) e preços dos combustíveis (que determinará a decisão do motorista de dirigir ou não no médio prazo).
Desde 2014, a recessão econômica limitou o crescimento da frota de veículos, criando uma resistência ao avanço do consumo de combustíveis, após vários anos consecutivos de alta. Em 2018, apesar da leve recuperação econômica, os elevados preços dos combustíveis e o desabastecimento causado pela greve dos caminhoneiros em maio causaram nova queda na estatística de consumo. Em 2018 até setembro, o consumo médio de etanol hidratado no Brasil foi de 48,8 mil m³/dia, e o de gasolina C, 105,7 mil m³/dia. Considerando o poder calorífico médio dos dois produtos, estimamos que o consumo total de energia dos motores Otto tenha sido de 1.129 GWh/ dia, o que representa um recuo de 4,6% em relação à média do ano passado.
Nossa perspectiva é de uma aceleração moderada do crescimento do PIB e 2019 e 2020, retornando para a média das últimas décadas para a economia brasileira, de 2,5% a.a. A melhora na confiança dos agentes com a vitória das propostas econômicas da campanha de Jair Bolsonaro nas urnas tende a contribuir para destravar investimentos e imprimir um ritmo mais dinâmico à demanda no país.
O cenário externo mais avesso ao risco e os desequilíbrios nas contas públicas brasileiras são os principais limitantes para o potencial de crescimento nos próximos anos.
A guerra comercial travada entre Estados Unidos e China tem reduzido a corrente global de comércio, deteriorando as perspectivas de crescimento da economia mundial, com maior peso sobre as economias chinesa e emergentes fornecedoras de matérias-primas e componentes ao gigante asiático. A contração das condições financeiras globais, com a retirada de estímulos monetários na União Europeia e a elevação gradual do referencial de juros do Federal Reserve, também aponta para o início de um movimento de reversão nos fluxos de capital ao redor do mundo, com fuga de recursos aplicados em mercados de economias emergentes de volta para as principais praças financeiras das economias avançadas.
Os déficits fiscais crescentes incorridos nos últimos anos, que colocaram a dívida pública brasileira em trajetória acelerada de expansão, estrangularam a capacidade de investimento do Estado brasileiro e acentuaram as preocupações dos investidores com a sustentabilidade do endividamento. Sem novidades até o momento no que diz respeito ao avanço das reformas do ajuste fiscal que serão adotadas pelo governo eleito e diante de um Congresso bastante dividido, que torna incerta a aprovação dessas medidas, ainda é cedo para supor que otimismo com o próximo governo perdurará.
Em 2019, considerando e previsão de crescimento econômico de 2,5%, estimamos que o consumo de combustíveis voltará a subir, avançando 3,7% em comparação com o ano atual para 1.171 GWh/dia. Em volume, esse avanço levaria o consumo de combustíveis de 154,4 mil m³/dia em 2018 para 160,1 mil m³/dia em 2019, supondo que a participação de cada um dos produtos permaneça a mesma. A parcela do etanol e da gasolina, todavia, será determinada pela evolução da paridade de preços na bomba.
Desta forma, as perspectivas para o etanol nos próximos meses tendem a ser, em grande parte, determinadas pelas movimentações do petróleo e da gasolina. Caso o baixo patamar dos produtos fósseis persista, as cotações do biocombustível podem continuar pressionadas – mesmo durante o período de entressafra no Centro-Sul.
O cenário futuro para o petróleo e para a gasolina ainda se encontra bastante indefinido. Apesar da reversão dos fundamentos, a intensa queda recente do óleo pode ser vista como exagerada, provocando recuperações. A cúpula do G20 e a reunião ordinária da OPEP, nos dias 31/11 e 06/12, respectivamente, também trarão importantes novos fundamentos para esses mercados. Não há uma clara direção para os preços por enquanto, mas os contratos futuros do petróleo Brent apontam para uma sutil retomada nos primeiros meses de 2019.
Contudo, é importante relembrar os fatores que podem oferecer suporte aos preços do álcool. Em meio ao amplo diferencial entre as cotações do etanol e da gasolina, a paridade tem espaço para crescimento sem que haja o comprometimento da competitividade do biocombustível. Isso significa que, mesmo em meio a novas quedas do combustível fóssil, o álcool pode se valorizar sem perder sua atratividade ao consumidor final.
Neste sentido, espera-se que a demanda continue aquecida, proporcionando viés altista às cotações do álcool. Este contexto é evidenciado pelos estoques do produto no Brasil: apesar de se manter expressivamente acima de anos anteriores ao longo da safra, a tancagem do biocombustível começou a recuar de forma antecipada em 2018/19.
Ainda que estimar patamares de preço para o etanol no longo prazo seja complexo, especialmente quando se considera os muitos fatores discutidos nessa matéria, é preciso destacar a possibilidade de alta nas cotações frente à gasolina. Isso porque, ao analisar dados dos últimos anos, observa-se que a proporção entre os preços dos dois produtos tende a retornar à média histórica – principalmente após períodos atípicos.
Por fim, a projeção de menor produção de etanol por usinas do Centro-Sul em 2019/20 também será outro ponto de atenção. Caso os preços do etanol encontrem resistência para subir, sua atratividade frente ao açúcar pode diminuir – principalmente se as perspectivas de menor produção do adoçante no Hemisfério Norte se intensificarem. Assim, unidades produtoras podem destinar uma maior parcela de sua capacidade à produção de açúcar. Vale lembrar que nós da StoneX estimamos, com base numa ampla pesquisa com usinas, que o mix açucareiro no próximo ciclo cresça em relação a 2018/19, para 39,7% (+4,6 pontos percentuais) e que, consequentemente, a produção de etanol hidratado de cana no Centro-Sul recue 16,7% para 17,4 milhões de m³. Considerando também a produção projetada de etanol de milho no Centro-Sul, e de cana no Norte-Nordeste, estimamos que a oferta total de hidratado no país recuará cerca de 13,4%.
Supondo que o consumo de etanol hidratado no Brasil recue no mesmo montante, as vendas de álcool em 2019 registrarão uma média de 42,2 mil m³/dia. Para abastecer a alta esperada no consumo total de combustíveis Otto, as vendas de gasolina C terão que subir 9,6%, para 115,8 mil m³/dia. Considerando a produção nacional média dos últimos anos, o país teria uma necessidade de importação de 7,87 mil m³/dia de gasolina A. A participação do etanol hidratado nas vendas de combustíveis Otto no Brasil, portanto, recuará cerca de 4,9 pontos percentuais, para 26,7%.