Os países da UE se aproximam, cada vez mais, de uma crise energética europeia sem precedentes. Desde o segundo semestre de 2021, o mercado de gás natural europeu vem passando por fortes transformações. A decisão da União Europeia de impedir a liberação do Nord Stream 2 – gasoduto construído pela Gazprom que segue o mesmo trajeto do Nord Stream 1, conectando a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico – teve como contrapartida a redução das exportações do gás natural russo à UE no final do ano passado, cenário que permitiu uma forte escalada dos preços da commodity no período.
Em 2022, o início da guerra no Leste Europeu trouxe novo suporte aos preços do gás, com o contrato mais ativo do TTF alcançando EUR 215,5 mWh em meados de março, principalmente pelo fato de que cerca de 38% de todo o gás importado na Europa foi provido pela Rússia em 2021. Apesar da situação, os membros da UE não enxergavam a possibilidade de um desabastecimento do produto no continente, visto que, sazonalmente, o período marcava o início do abastecimento da commodity para o inverno no hemisfério norte global, que ocorre entre dezembro e março.
Ao longo dos meses seguintes, no entanto, o mercado começou a observar uma redução significativa das exportações de gás russo pelo Nord Stream 1. Entre o dia 01/06 e 10/07, os fluxos do NS1 registraram queda de 60,2%, indo de 1,75 bilhão de kWh/dia para 0,70 bilhão de kWh/dia, de modo que a via passou a operar em 40% da capacidade total.
Fluxos de gás natural pelo Nord Stream 1 (bilhões de kWh/dia)
Fonte: Nord Stream AG.
Após o período de manutenção programada do gasoduto, que ocorreu na segunda semana de julho, o envio da commodity pela via deteriorou ainda mais, chegando próximo a 20% da capacidade total. De acordo com o Kremlin, o motivo por trás da diminuição dos fluxos se deu devido às sanções aplicadas pela União Europeia, EUA e Canadá contra a Rússia, que impediu o retorno de uma das turbinas do gasoduto enviada à Siemens Energy para manutenção.
A situação piorou a partir do início de setembro, em meio ao anúncio do Kremlin de que um vazamento de óleo pelo NS1 impediu que uma das turbinas operasse de maneira segura, fechando o canal e afirmando que o gasoduto deve manter as atividades suspensas por um período indefinido, gerando fortes receios em relação à uma possível crise energética na Europa.
Preço do gás natural na Europa (TTF – EUR/mWh)
Fonte: Traders Pro.
Diante do cenário, os membros da União Europeia seguem extremamente preocupados com o processo de reestocagem de gás natural para o inverno. A Agência Federal de Redes da Alemanha, por exemplo, confirmou que, mesmo que as reservas domésticas da commodity operassem em 100%, caso as exportações russas cessem por completo, o país teria gás suficiente para, no máximo, 2 meses e meio.
Diante disso, a Comissão Europeia vem estudando algumas formas de evitar um eventual desabastecimento. Além de aprovar o corte voluntário do consumo de gás em 15% entre agosto/22 e março/22 – no comparativo com a média anual de uso entre 2016 e 2021 – a comissão vem discutindo também a implementação de um teto dos preços do gás natural vendido pela Rússia aos compradores europeus.
Além disso, a UE também tenta resolver os problemas inflacionários decorrentes do aumento dos preços energéticos, com o BCE decidindo por um novo aumento da taxa de juros básica, de 75 pontos base, em meio à uma inflação de 9,1% no acumulado de 12 meses em agosto.
Estoques de gás natural por país (% da capacidade total)
Fonte: GIE, AGSI+, Bing.
Paralelo a isso, a situação do mercado de gás acabou impactando outros setores da economia europeia. A energia elétrica, por exemplo, ultrapassou mil euros/mWh na Alemanha pela primeira vez na história, no final de agosto, em meio à importância do gás natural para a matriz energética europeia, visto que cerca de 25% das plantas de geração elétrica são abastecidas pela commodity. Entre o início do ano até agosto, o preço médio de energia elétrica na Zona do Euro avançou 452%, indo de EUR 92 mWh para EUR 510 mWh. No mesmo período, o contrato mais ativo do TTF registrou aumento de 245%, sendo ambos os fatores determinantes para a possibilitação de uma crise energética na Europa.