Negociações entre China e EUA impactam preços futuros do milho e da soja, referência para as decisões de plantio dos produtores norte-americanos
Entre o final de fevereiro e meados de março, os produtores de grãos norte-americanos decidem em relação ao plantio de culturas na nova safra. Uma vez que tanto a soja como o milho podem ser cultivados nas mesmas condições de clima e solo, tais produtores determinam a proporção do uso da área cultivável disponível para cada uma das culturas, tendo em vista obter a maior rentabilidade possível no final do período.
Com efeito, a fim de mensurar e relacionar a rentabilidade de cada uma das culturas, os produtores usam como referência os contratos futuros negociados em Chicago dessas commodities para os meses de referência para a comercialização da safra que será colhida. No caso da soja, tal preço é a cotação do contrato com vencimento para o mês de novembro da safra nova; ao passo que para o milho é utilizado o vencimento para o mês de dezembro do mesmo ano.
A simples razão entre os dois preços, denominada ratio, indica ao produtor qual cultura irá gerar a maior rentabilidade por área cultivada. Ratios elevados significam que os preços da soja estão mais altos em relação aos do milho, o que faz com que a soja seja comparativamente mais lucrativa. Analogamente, ratios menores indicam retornos maiores para o milho em relação à soja.
Com efeito, se é verificado em meados de fevereiro um ratio elevado entre o preço da soja para novembro e a cotação do milho para dezembro, a tendência é que haja uma ampliação da área plantada de soja naquele ano-safra, em detrimento do plantio de milho. Caso seja registrado um ratio baixo, a tendência é a inversa.
Nos últimos meses, um dos principais drivers das cotações dos grãos em Chicago tem sido a guerra comercial entre EUA e China. Desde junho de 2018, as tarifas de importação impostas pelos dois países para uma série de produtos, sobretudo commodities agrícolas, têm afetado significativamente o mercado internacional de grãos, principalmente a soja.
No caso norte-americano, a soja se torna comparativamente mais sensível do que o milho ao conflito comercial por conta do demanda pela produção de soja dos EUA. Na safra 2017/18, 49,6% da produção de soja dos EUA foi destinada às exportações, sendo que 49% desse montante foi adquirido pela China — padrão recorrente nos últimos anos. Com o conflito tarifário e forte retração das importações chinesas, que atingiram níveis praticamente nulos no final do ano, os preços da soja em Chicago passaram a ficar em um patamar menor.
A produção de milho nos EUA, por sua vez, se mostra menos dependente das exportações do que a soja: em 2017/18, apenas 16,5% da produção norte-americana foi destinada ao mercado externo. Isto pois a demanda interna para consumo de milho é consideravelmente grande e constante, impulsionada pela utilização do cereal como ração animal e como insumo industrial, principalmente na produção de biodiesel. Apesar de a guerra comercial também exercer pressão nos derivativos do milho, esta é menos acentuada que no caso da soja.
Portanto, embora o preço de ambas as commodities tenha registrado propensão baixista com a tensão sino-americana, o milho demonstra a tendência de recuar relativamente menos do que a soja. Com efeito, desde o estopim do conflito em junho, é observada a diminuição da razão entre os contratos da soja e do milho para os meses finais da safra 2019/20.
No primeiro semestre de 2018 o ratio variou entre a faixa de 2,35 e 2,45, acima da média dos últimos anos. Entretanto, com o acirramento da relação entre os dois países a partir de junho, o ratio demonstrou forte recuo—operando abaixo da média para o período até meados de novembro. Neste mês, a perspectiva de avanço nas negociações entre EUA e China no encontro do G20 em Buenos Aires promoveu uma valorização relativa da soja, elevando o ratio.
Desde então, as cotações da soja e do milho em Chicago têm variado entre uma faixa relativamente ampla de preços, alternando movimentos de alta e de baixa em meio ao clima de incerteza que voltou a ser a característica marcante das negociações entre EUA e China. Assim, o ratio apresenta comportamento semelhante, oscilando próximo da média dos últimos 3 anos.
Nas próximas semanas, que serão fundamentais para a decisão de plantio dos produtores norte-americanos, o principal fator determinante dos preços da soja e do milho em Chicago –e, portanto, do ratio—continuará sendo as negociações entre EUA e China. Caso as conversas avancem e se aproximem de um acordo, haverá a tendência de valorização da soja e elevação do ratio. Por outro lado, se o conflito permanecer indefinido o milho poderá ser favorecido nas decisões de plantio este ano.
Contudo, destaca-se que o ratio não é a única variável observada pelos produtores no processo de decisão de plantio. Fatores como condições climáticas, nível de estoques e compra antecipada de sementes e fertilizantes também são determinantes. De qualquer maneira, o acompanhamento do ratio se faz um indicativo relevante nesse contexto.
Em 2018/19, o ratio médio no mês de fevereiro foi de 2,56, valor que pode ser considerado elevado quando comparado com a média histórica. Com efeito, na safra passada foi verificada uma expansão de 8,3% da área cultivada da soja nos EUA, ao passo que a área do milho recuou 4,6% no mesmo período. Este ano, o ratio está atualmente em cerca de 2,38, patamar relativamente baixo—o que pode indicar uma redução da área da soja, com avanço do milho e demais culturas.
No entanto, tal decisão será fortemente influenciada pelo andamento das negociações acerca do conflito entre EUA e China. Além disso, o subsídio oferecido pelo governo norte-americano ao cultivo de soja também exercerá influência, podendo minimizar o efeito do milho relativamente mais lucrativo.
O USDA divulgará seu relatório de intenção de plantio no final de fevereiro, fornecendo os primeiros indícios do que será observado ao longo da safra 2019/20.
Matéria escrita por Lucas Pereira, colaborador StoneX até agosto de 2019.