Ao combinar elementos internos e externos de pressão, o peso argentino atravessa um período de forte desvalorização. A piora nas perspectivas para o desempenho da economia global, ante episódios de acirramento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, e incertezas quanto aos desdobramentos da saída do Reino Unido da União Europeia (mediante possibilidade de separação sem que um acordo seja firmado entre as partes), construíram um pano de fundo de maior aversão ao risco nos mercados globais, o qual provocou um movimento de fuga a ativos de maior segurança, e fez com que as moedas de economias emergentes se desvalorizassem.
Imerso neste contexto internacional de fragilização das moedas periféricas, o resultado das prévias da eleição presidencial, ao indicar derrota do atual presidente, Maurício Macri, para a chapa da ex-presidente Cristina Fernandez de Kirchner (que se lança como vice nestas eleições), ampliou as incertezas de mercado quando à condução da política econômica no país. Uma possível guinada na atual política pró-mercado desenvolvida por Macri, e alinhada com o acordo estabelecido com o Fundo Monetário Internacional (FMI), é vista com apreensão pelo mercado.
Como reflexo da postura mais cautelosa dos investidores internacionais, a taxa de câmbio tocou o fechamento máximo do ano em 14 de agosto, quando atingiu USD 60,24. A alta do dólar é bastante sensível à economia argentina, ao passo que significativa parcela de sua dívida externa está denominada nesta moeda. De acordo com o mais recente relatório trimestral da Direção Nacional de Contas Internacionais da Argentina, ao fim do primeiro trimestre de 2019, o estoque da dívida externa bruta em valor nominal era denominado nas seguintes proporções: 62% em dólar, 10% em euro, 8% em peso argentino e 19% em outras moedas.
Ainda, o anúncio do plano de renegociação da dívida soberana pelo Ministério da Fazenda ao final de agosto (28), também provocou intensa fuga de capitais, e colocou em risco a manutenção das reservas internacionais. Diante deste cenário turbulento, o governo passou a adotar medidas de controle de capitais. Dentre os elementos colocados, a limitação à compra de dólares e prazo para liquidação das divisas de exportação são os mais sensíveis aos mercados de grãos e fertilizantes na Argentina.
O primeiro deles impõe um teto de compra de USD 10 mil por mês para residentes e de USD 1 mil por mês para não residentes, enquanto o segundo compele a liquidação em até 5 dias úteis dos ganhos em dólar, ou 180 dias após a permissão para embarques ou vendas ao exterior. Contudo, para commodities este prazo é de 15 dias.
Neste sentido, as tramitações para aquisição de adubos e envio da produção ao exterior se dificulta, além de diminuir a margem do produtor. Tal perspectiva pode impactar as decisões de plantio dos agricultores, conforme já observado no caso da lavoura do milho – analisado abaixo.
Soja, Milho e Trigo
O plantio de grão na Argentina tem respondido a questões políticas na Argentina há vários anos. No início de seu governo, o presidente Macri retirou as retenciones incidentes sobre as exportações de milho e de trigo e estabeleceu um calendário para a redução sobre a soja. Apesar de, no ano passado, ter voltado a incidir a taxação sobre as exportações de milho e de trigo, além de novas mudanças para o complexo de soja, observa-se que a medida inicial do novo governo argentino incentivou o crescimento das áreas plantadas de milho e de trigo, enquanto a área de soja passou a cair.
Para o ciclo 2019/20, as estimativas indicam uma área maior de trigo, crescendo de 6,2 para 6,6 milhões de hectares, segundo a Bolsa de Cereais de Buenos Aires. Cabe lembrar a safra de trigo já está totalmente semeada, após diversas regiões terem sofrido com excessos de chuva, mas a melhora climática possibilitou uma considerável recuperação, com essa área plantada sendo recorde. No início do mês, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca da Argentina (MAGyP) divulgou sua estimativa para a safra argentina de trigo, indicando a mesma área da Bolsa de Buenos Aires e uma produção de 21 milhões de toneladas, que, caso concretizada, renovaria também o recorde histórico de produção.
No caso do milho, por mais que o plantio já tenha começado, tendo avançado 5,5%, as dúvidas sobre a área plantada ainda persistem. Segundo a última estimativa da Bolsa de Cereis de Buenos Aires, a área de milho com destino comercial deve alcançar 6,2 milhões de hectares, um crescimento de 3,3% frente ao ciclo 2018/19. Esse avanço é bem menor do que estimativas iniciais, que apostavam num aumento na casa de 6,7% e ainda pode sofrer mudanças significativas. Como o milho tem dois períodos de plantio na Argentina um mais cedo (maíz temprano) e outro mais tarde (maíz tardio), também conhecido como milho de segunda, ainda haveria espaço para ajustes de área, principalmente no milho plantado mais tarde, a partir do final de outubro. O plantio que já está em andamento é do milho de janela mais cedo, que se iniciou no começo de setembro e cujos insumos já estavam comprados.
Contudo, diante das incertezas políticas e econômicas que o país vem enfrentando, com possibilidade de o presidente Macri não ser reeleito, as intenções de plantio do milho de segunda pode acabar sendo reduzidas, porque o cereal tem um custo mais elevado em relação a outras culturas. Além disso, a incerteza política sobre a eleição presidencial, dependendo do resultado, preocupa os investidores, quanto ao retorno de políticas intervencionistas, trazendo dificuldades para a comercialização de grãos.
Diante desse cenário, a soja 2019/20 pode acabar ganhando mais área que o já estimado por algumas instituições, lembrando que a oleaginosa argentina só começa a ser plantada na segunda quinzena de agosto, demanda menor investimento em tecnologia e está sujeita a menores riscos.
Pelo lado da comercialização, pegando como exemplo o trigo, desde que Macri assumiu o poder, as exportações do cereal argentino aumentaram consideravelmente. Em 2015, último ano do governo de Cristina Fernandez, as exportações anuais chegaram a 4,3 milhões de toneladas. A partir da posse do atual governante, a média anual de exportações foi de 11,7 milhões de toneladas.
Até julho deste ano, as exportações indicavam que seria mais um ano-safra com carregamentos ao exterior aquecidos, ante estimativas de 14 milhões de toneladas, o que renovaria o recorde histórico. Contudo, a conturbação política e econômica causa grande preocupação entre os agricultores.
Fertilizantes
A conjuntura atual preocupa o setor agrícola do país, especialmente no que tangem os custos de produção das principais culturas na Argentina. A desvalorização cambial torna a aquisição de fertilizantes mais onerosa aos agricultores, especialmente aos que aplicam maior volume de fosfatados e potássicos, em vista da dependência das importações. No caso dos nitrogenados, uma parcela da demanda consegue ser atendida pela indústria nacional (41%), mas o país ainda importa volumes significativos de ureia, UAN e NAM.
As safras de milho e trigo correspondem a, respectivamente, 33% e 26% do consumo de fertilizantes na Argentina, enquanto apenas 13% da demanda provém das lavouras de soja, segundo levantamento da Associação Civil Fertilizar. Neste sentido, os produtores dos cereais estão mais expostos às flutuações cambiais e a medidas de controles de capital que dificultem transações em moeda estrangeira.
Conforme mencionamos acima, os custos de produção mais elevados do milho, em meio a uma perspectiva econômica incerta, podem influenciar em uma contração da área plantada ainda em 2019, com ênfase para a revisão das estimativas do milho tardio (de segunda), enquanto o milho temprano ainda deve crescer frente ao ano passado. No caso do trigo, a safra ainda está em desenvolvimento.
Para o mercado de fertilizantes, o ano corrente tem sido marcado por um arrefecimento atípico da demanda nos principais países importadores – Estados Unidos e Brasil – com as compras indianas se mostrando insuficientes para sustentação do patamar de preços. De tal forma, os fabricantes, em especial os de fosfatados e potássicos, têm voltado sua atenção para mercados menores, como é o caso da Argentina. Caso confirmada uma retração da área plantada do milho de segunda, a indústria de adubos poderá ver uma de suas alternativas de escoamento na América Latina também se limitar.