Cotação e diferencial de base do boi gordo nos principais estados produtores (R$/@)
Essa disparidade é resultado das diferentes tendências apresentadas pelas praças do país em 2022. Analisando os dados do CEPEA para as últimas quatro semanas, percebe-se que em três delas o boi gordo atuou com valorização em São Paulo. No agregado do período, os ganhos foram de praticamente R$ 8,00/@. Pelo outro lado, nos outros principais estados produtores de bovinos, o último mês foi de desvalorização em três das quatros semanas. No agregado do período, as perdas somaram R$ 8,76/@ em Minas Gerais, R$ 7,94/@ no Mato Grosso do Sul, R$ 6,06/@ em Goiás e R$ 5,25/@ no Mato Grosso. Assim, o basis acabou disparando, gerando a forte diferença de preços mencionada no primeiro parágrafo.
Frente a isso, as tendências de preço apontadas tem sido alvo de contestações, visto que, de acordo com esses questionamentos, não refletiriam a realidade do mercado físico. Isso estaria acontecendo porque em São Paulo os indicadores estariam captando em excesso os animais destinados para a exportação. Em outras palavras, enquanto no restante do país os cálculos de cotação estariam contabilizando as negociações de todo tipo de animal destinado ao abate – então, não só boi China, mas também bois voltados ao setor doméstico e vacas engordadas -, em São Paulo as vendas do valorizado animal do tipo exportação estariam apresentando uma participação acima da “realidade” durante o cálculo dos preços, não refletindo as verdadeiras condições do mercado.
Uma outra hipótese, também bastante discutida dentro dos círculos da pecuária, é a de que realmente existe uma proporção maior de vendas voltadas para a exportação no estado de São Paulo, o que estaria produzindo essa discrepância nas tendências. Como se sabe, os pecuaristas e os frigoríficos estão enfrentando um cenário de enfraquecida demanda doméstica e robusta procura externa. Sendo assim, o boi que possui os pré requisitos necessários para ser vendido para a China – a saber, abate com menos de trinta meses, no máximo quatro dentes incisivos, possuidor de GMT, entre outros detalhes – está se valorizando, enquanto o animal destinado ao mercado doméstico está sofrendo com perdas. Dentro desse arcabouço, a maior participação das exportações nas vendas dos frigoríficos paulistas refletiria sim a realidade e estaria produzindo ganhos no momento em que o restante do país sofre com perdas.
Essa teoria ganha força quando se compara o volume de abates com o número de frigoríficos com permissão para exportar para a China por estado. Os dados do IBGE para o 3° trimestre de 2021, os mais recentes disponibilizados, mostram que São Paulo é responsável por cerca de 10% dos abates do país, porcentagem compartilhada com Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Já a análise dos dados do Ministério da Agricultura (MAPA) indicam que 24,3% das indústrias capacitadas a vender em território chinês são paulistas, enquanto o restante dos estados produtores mencionados têm participação similar a dos abates: 10%. Ou seja, esses números indicam que a parcela da produção dos frigoríficos paulistas destinada ao mercado externo é muito superior que a dos outros estados do país, o que justificaria esse peso excessivo do boi China nos cálculos do CEPEA e a consequente discrepância de tendências.
O estado que pode trazer certa contestação a essa lógica é o Mato Grosso. Lá é onde ocorrem aproximadamente 16% dos abates e onde 21,6% dos frigoríficos do país liberados para exportar para a China estão localizados. Esses números mostram um “excesso” de 5,6 pontos percentuais e mesmo assim o estado vem enfrentando desvalorizações nas últimas semanas, o que é um furo na lógica de que uma maior participação dos animais voltado para exportação produziria valorização. A tréplica para essa questão seria o fato de que esses 5,6 p. p. a mais não se comparam com o excesso de 14,3 p. p. registrado pelas praças paulistas, além da realidade de que a desvalorização no Mato Grosso foi menos intensa que a dos outros estados.
Frigoríficos com licensa para exportar para a China e abates por estado (percentual do total)
Um outro ponto que coloca em xeque a teoria do excesso de boi China em São Paulo é a questão apontada acima da livre circulação de mercadorias dentro do Brasil, que tendem a tornar homogêneos os fundamentos de oferta e demanda do país. Frente a essa lógica, não há como fazer grandes contestações. Entretanto, vale a pena notar que, após três semanas de desvalorização, os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais postaram ganhos nos sete dias que se encerraram em 18 de fevereiro. Portanto, é possível que o ajuste teórico estabelecido pela lógica de mercado tenha começado a entrar em vigor, corrigindo esse aumento do diferencial de base.